O legado de Chadwick Boseman, segundo influenciadores negros

O legado de Chadwick Boseman, segundo influenciadores negros

Ator de “Pantera Negra” o ator Chadwick Boseman e ícone do movimento negro morreu na sexta-feira, vítima de câncer de cólon

História

Nascido na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, o ator sempre se interessou por teatro e escreveu sua primeira peça ainda no colégio. Ele se formou na Howard University, com bacharelado em artes.

Chadwick começou a carreira em 2003 na série de TV Parceiros da Vida, e passou a participar de diversos programas conhecidos, como Lei & Ordem, CSI e Arquivo Morto.

No cinema, brilhou como o cantor James Brown na cinebiografia Get on Up e em filmes como Marshall: Igualdade e Justiça e King: Uma História de Vingança.

Sua estreia no universo Marvel foi em Capitão América: Guerra Civil, de 2016, quando deu vida a T’Challa pela primeira vez antes de, em 2018, protagonizar o longa sobre o herói Pantera Negra. O filme marcou a história por ter sido o primeiro protagonista negro da Marvel, além de ter virado símbolo de justiça e luta para toda a comunidade negra dos Estados Unidos e do mundo.  

Chadwick Boseman tornou-se um ícone do movimento racial. Para influenciadores negros, convidados por GaúchaZH para analisar o legado do protagonista de Pantera Negra, o artista contribuiu para transformar a representatividade no cinema mundial.

Leia, a seguir, as palavras da relações públicas Luana Daltro, que escreve sobre a luta antirracista; da psicóloga Mara Gomes, que fala sobre a saúde da população negra em seu Instagram; do escritor Marcelo Carvalho, criador do Observatório do Racismo; e da pedagoga Vitória Sant’Anna Silva, que, em 2018, capitaneou uma campanha para levar cerca de 200 crianças a uma sessão de Pantera Negra.


Luana Daltro, relações públicas

Luana Daltro / Arquivo pessoal
Luana Daltro escreve sobre a luta antirracistaLuana Daltro / Arquivo pessoal

“Fiquei muito emotiva quando soube, ontem (sexta-feira), do falecimento dele. Desconhecia que Chadwick Boseman estava lutando contra o câncer, o que me causou um baque, por ser uma morte muito repentina. Chorei como se fosse um ente querido. Ainda estou um pouco emocionada, porque foi um filme (Pantera Negra) que representou muitas coisas. Não só o personagem, o herói, mas a cidade, Wakanda. Todo o cenário construído para dar visibilidade e representatividade para pessoas negras. Minha sensação é de perda de alguém próximo. Ao ver outras pessoas se manifestando, até me senti mais confortável, sabendo que era um sentimento genuíno e colaborativo de uma grande rede de pessoas que estavam sentindo a mesma dor. Todos nos identificamos naquele filme, vendo o primeiro herói negro representado em um cenário cinematográfico. Não temos, quando crianças negras, a figura do herói. Normalmente, a representação é sempre para o lado negativo. Nunca uma vivência positiva. Eu acho que transcende gerações. Não só as crianças se identificaram com o filme, se comoveram, choraram, mas os adultos também. Eu tive minha primeira boneca negra no ano passado, aos 25 anos. Pantera Negra nos faz pensar que, mesmo na fase adulta, ainda podemos brincar com o lúdico e termos esperança de um mundo melhor. É a perda não só do ator, representado no Pantera Negra, mas de uma pessoa muito engajada na questão racial, que sempre buscou que sua voz fosse representada.”


Mara Gomes, psicóloga 

Mara Gomes / Arquivo Pessoal
Mara Gomes fala sobre a saúde da população negraMara Gomes / Arquivo Pessoal

“Estava vendo um programa do Jimmy Fallon, o apresentador americano, em que ele colocou pessoas negras para falarem o que sentiram vendo Pantera Negra. E, depois, ele (Chadwick Boseman) aparecia. Foi muito emocionante ver a reação das pessoas quando viam ele. É exatamente o que sentimos quando o filme surgiu. Uma representação positiva de uma pessoa preta, algo raro de se ver no cinema, de fortalecimento do sentimento de acolhimento entre a comunidade negra e de se ver em um lugar diferente, representado em um lugar de poder, ancestral, bonito e mágico, que era Wakanda. Ele representou todos nossos desejos de infância. Muitos adultos voltaram a ser criança, além do desejo das nossas crianças de ver um super-herói igual a elas. A morte dele nos deixa sem palavras, mesmo. Estou desde ontem (sexta-feira) muito chocada, muito triste, porque perdemos um grande legado. Nosso herói que representou a Terra que sempre quisemos viver, que sempre quisemos construir. Sempre quisemos ver a África representada desta maneira, distante dos estereótipos que foram criados, vendo uma África com riquezas, com uma comunidade negra que se apoia, que se entende. Os americanos têm um termo, ‘woke’, que significa estar acordando. Uma pessoa que está consciente de sua existência negra, para além dos estereótipos, é uma pessoa que está acordada. E este momento está nos pedindo para acordarmos. Muitas pessoas que não estão pensando nestas questões raciais, não digo pessoas negras, mas pessoas brancas, porque as pessoas negras estão sempre conscientes, e o quanto isso molda a nossa sociedade. A morte dele, neste momento, é isso. Parou de existir, mas deixou esse legado, de nos encontrarmos como pessoa preta, entendermos o que a nossa existência significa neste mundo para além do racismo, do estereótipo, de todas as coisas ruins. Isso me faz pensar também no filme da Beyoncé, Black Is King. Tem uma parte que ela fala que, quando não nos vemos por tanto tempo, passamos a acreditar que não existimos. E o Pantera Negra nos deu uma condição de existência, diferente da condição que nos é mostrada. Não foi só um super-herói.”

Marcelo Carvalho, escritor

Félix Zucco / Agencia RBS
Marcelo Carvalho criou o Observatório do RacismoFélix Zucco / Agencia RBS

“Ele (Chadwick Boseman) simboliza bem o que falamos sobre representatividade. Um herói que saiu da tela e inspirou a vida real. Foi um herói que as crianças começaram a admirar e a ver a possibilidade de serem heroínas na tela da televisão. Fora dela, inspirou diversos movimentos ‘Wakanda’, de união dos povos negros. Acho que esse é o maior legado, de falarmos sobre representatividade, nos enxergarmos como possibilidade e inspirarmos crianças. Diversos atletas, de diversos esportes, logo depois do filme, comemoravam fazendo o gesto dos Panteras Negras, crianças do mundo inteiro fazendo o gesto… É isso, a importância dessa representatividade negra que tanto brigamos. Existia, sempre, uma falta de representatividade. As crianças não tinham super-heróis negros. Quando Wakanda surge, a criançada se enxerga naquele super-herói, enxerga a possibilidade de estar neste mundo como ator, na tela. Ele conseguiu unir pessoas e comunidades em torno da causa negra. Surgiram muitos debates em torno do filme, daquela sociedade possível, negra, intelectual. De nos vermos nesses lugares, como atores, produtores, diretores, intelectuais, em um mundo construído a partir da visão negra. O mundo sempre nos enxergou como um corpo. Estávamos muito mais nas tarefas que exigiam o corpo, e não a mente. Wakanda trouxe essa reflexão, de que a sociedade precisa nos olhar de outra forma. Não somos apenas corpos. Também temos mentes brilhantes.”

Vitória Sant’Anna Silva, pedagoga

Facebook / Reprodução
Vitória Sant’Anna Silva levou crianças ao cinemaFacebook / Reprodução

“Sabendo que estava lutando há quatro anos contra um câncer, que pouquíssimas pessoas sabiam… E vendo toda a ação do ator Chadwick Boseman, atuando em diversos filmes, deixando um legado, após o Pantera Negra, que mobilizou a ação para levar as crianças de comunidades negras para assistirem ao filme, por causa desta representatividade, de ser um super-herói negro e estar em uma África realmente diferente da que crescemos vendo. Conseguimos entender por que ele estava fazendo coisas tão grandiosas. Após o Pantera Negra, ele fez um discurso em uma universidade dos Estados Unidos, que me marcou muito. Disse: ‘Use a sua educação para mudar o mundo’. São marcas que ele deixa, principalmente para a população negra e jovem, por ser um ator que protagonizou um dos maiores filmes de representatividade negra. Quando ele falou essas palavras para aqueles jovens que estavam se formando na universidade, quando ele atuou no filme, lutando contra um câncer, uma doença tão agressiva, conseguimos ver o tamanho do legado e perceber que ele tinha um propósito, que, agora, deixa para a gente. O Pantera Negra deixou a marca que nós, pessoas negras, podemos ser protagonistas e termos diferentes personalidades. Nossa sociedade unifica o ser negro e cria um estigma muito grande sobre a população negra. No Pantera Negra, não há um único negro. Tem uma família, uma disputa, diversas pessoas negras, cada uma com sua personalidade, humanidade e grandeza. Isso é muito importante, porque faz com que as crianças negras possam se identificar com outros também. Não é o único ator negro, o super-herói, está com outros, o que amplia nossa noção de diversidade e potência. É o que queremos mostrar, que podemos estar em vários espaços, lutando contra os estigmas da pessoa negra.”

Fonte: adaptado Gauchazh / Toda Hora

Maria Odete

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