O reencontro emocionado de crianças e famílias separadas por um tsunami
Quando um forte terremoto provocou um tsunami na ilha de Sulawesi, na Indonésia, no dia 28 de setembro, centenas de crianças foram separadas dos pais.
Mais de 2 mil pessoas morreram, e grandes áreas foram transformadas em covas coletivas.
Mas nas últimas semanas também aconteceram reencontros extraordinários.
O desaparecimento de Fikri e Jumadil
Martha Salilama tinha esquecido o fogão ligado.
Quando a terra começou a tremer, ela agarrou Fikri, de sete anos, seu sobrinho-neto, e correu para fora da casa.
Eles estavam fazendo arroz com curry e frango frito para vender em um festival na praia, que celebrava o aniversário da cidade de Palu.
“Com tudo desmoronando e caindo ao redor, eles correram para fora. Estavam com medo de ficar presos lá dentro”, contou Selfi Salilama, avó de Fikri.
Quando a terra parou de tremer, Marta deixou Fikri com vizinhos que estavam reunidos em volta de uma estátua de cavalo que fica na baía de Palu.
E foi para casa desligar o fogão.
“Quando voltou, Fikri tinha desaparecido”, diz Selfi.
O que ela encontrou foi uma cena de horror, um rastro de destruição deixado por ondas gigantescas que atingiram a baía.
Quando o terremoto começou, Jumadil, de cinco anos, estava construindo castelos de areia na praia.
A avó, Ajarni, que cuidava dele naquele dia, estava vendendo comida para frequentadores do festival no calçadão.
Ele estava manhoso naquele dia, ela se recorda.
“Ele queria ser carregado o tempo todo, então, levei ele em volta do meu quadril. Quando finalmente ficou entediado, pediu para descer e foi brincar na areia.”
Quando o primeiro tremor aconteceu, a avó tentou desesperadamente chegar até o neto, mas não conseguiu.
Estava caótico, diz ela, havia pessoas correndo em todas as direções enquanto o terremoto as derrubava.
“Quando cheguei mais perto da praia, vi uma parede de água negra vindo na minha direção.”
Com as ondas monstruosas prestes a quebrar na baía, ela não conseguiu procurar mais o neto e saiu correndo.
“Corri o mais rápido que pude, não tinha ideia para onde estava correndo. Quando a água me derrubou, me agarrei a uma moto.”
As ondas a levaram até o estacionamento de um hotel.
Ela havia sobrevivido. Mas Jumadil tinha sumido.
Foi onde seu marido, Daeng, o avô de Jumadil, a encontrou.
“A princípio, não reconheci ela porque estava coberta de sangue e lama e chorando. Me virei para um conhecido e disse que estava procurando minha esposa e eles falaram ‘é ela’.”
Um motociclista que estava passando nos levou até o hospital mais próximo.
“Eu estava preocupado que ela perdesse muito sangue. Houve vários tremores secundários, foi assustador”, ele lembra.
A busca desesperada
A notícia chegou até a mãe de Jumadil, Susi Rahmatia, que estava em casa.
“Meu tio entrou correndo e disse: ‘há corpos de crianças por toda parte perto da praia’. Eu desmoronei e chorei, achei que meu filho tinha sido morto pelas ondas.”
“Naquela noite, meu marido foi procurar por ele. Quando deparou com um corpo de criança, desabou e chorou.”
Pela manhã, o avô reforçou as buscas.
“O ar ao redor da praia cheirava a cadáver. Eu procurei por horas e horas descalço. Olhava debaixo dos escombros e em lugares para onde eu achava que ele poderia ter sido levado”, diz Asmudin.
A família de Fikri, de sete anos, também procurava desesperadamente por ele.
E temia que ele estivesse morto.
“No hospital, abrimos vários sacos plásticos que tinham corpos de crianças dentro”, conta Selfi Salilama, avó do menino.
“A cada vez (que abríamos os sacos) uma onda de medo tomava conta de nós. Dizíamos: ‘Alá, nos faça fortes o suficiente para fazer isso’ – cada vez que (abríamos) esperávamos que não fosse Fikri.”
“Tínhamos quase certeza de que havíamos perdido ele. Sabíamos que seu irmão de 10 anos tinha morrido. Mas no fundo do meu coração eu tinha esperança de que Fikri tivesse fugido a tempo.”
Os pais de Fikri descobrem
Os pais de Fikri vivem e trabalham a 600 quilômetros de Palu, em Gorontalo.
Com a queda nos sistemas de telecomunicação, Selfi diz que não conseguiu entrar em contato com eles. Ela também estava com um pouco de medo de contar o que tinha acontecido.
“Eu não queria que todos entrassem em pânico e se preocupassem. Queríamos procurar primeiro para dar a notícia com alguma certeza”, diz ela.
Mas dada a dimensão da tragédia, era impossível guardar segredo.
“Nós vimos tudo na televisão. Eu fiquei sem palavras. Meu marido, Iqbal, foi imediatamente para Palu. Fiquei aqui para cuidar dos meus filhos mais novos”, conta Susila.
Quando Iqbal As Sywie chegou e descobriu que ambos os filhos estavam desaparecidos, ficou arrasado.
“Ele estava irritado e muito chateado, ficava dizendo ‘por que você não cuidou melhor dos meus filhos?’ Precisei acalmá-lo dizendo que isso não estava nas nossas mãos. Que se Alá quisesse levá-lo, nós tínhamos de aceitar isso.”
Eles comunicaram o desaparecimento de Fikri aos postos de proteção infantil espalhados pela cidade.
E concederam entrevistas a redes de televisão locais, fornecendo detalhes sobre o menino.
A descoberta
O tio de Jumadil postou uma publicação com a foto do sobrinho em uma página do Facebook dedicada aos sobreviventes do tsunami, na esperança de que alguém pudesse identificá-lo.
A filha de Sartini viu a foto e achou que o menino se parecia muito com a criança de quem sua mãe estava cuidando.
A esposa de um líder religioso local, Sartini, encontrou o menino em uma delegacia após o terremoto.
Ela lembra que ele estava chorando sem parar, chamando “mamãe” e “papai”.
“Eu só convenci ele (a parar) quando disse ‘sua mãe está comprando leite para você'”, contou ela à agência de notícias AFP na época. Foi assim que fez amizade com o menino e cuidou dele.
“O que eles viram no Facebook eram fotos antigas de Jumadil – então, no começo, não tinham certeza se era realmente ele”, explica a mãe do menino, Susi.
“Mas quando leram os detalhes da roupa que ele estava usando naquele dia – uma camisa listrada vermelha e calças presas com uma corda porque eram grandes demais, foi quando descobriram que era o mesmo garoto.”
Uma marca de nascença no pescoço confirmou que era de fato Jumadil, e começaram os preparativos para o reencontro.
“Eu não conseguia dormir. Pensei nele a noite toda, imaginando quem salvou meu garotinho”, diz Susi.
O reencontro
Jumadil pula da moto direto para os braços da mãe. A cena do reencontro emocionado, após cinco longos dias, foi registrada em vídeo.
Ele se agarra à mãe, enquanto ela o enche de beijos. Lágrimas escorrem por ambos os rostos. Jumadil chora tanto que chega a estar ofegante.
“Ele me abraçou tão forte, como se não quisesse me soltar nunca mais, com as pernas em volta de mim como um macaco”, lembra Susi.
“Nós não conversamos. Ele estava com muito medo. Tinha muita gente aglomerada em volta. Eu apenas tentei mostrar a ele que agora ficaria tudo bem.”
Ela esperou alguns dias antes de finalmente perguntar o que tinha acontecido,
“Perguntei gentilmente: ‘O que aconteceu naquele dia, meu pequeno?’ E ele disse: ‘Eu estava brincando na areia e não entendi porque o mundo inteiro estava tremendo’.”
“‘E quem pegou você?’, perguntei. Ele disse que foi um policial. Nós tentamos descobrir quem era, mas não conseguimos.”
Eles acreditam que ele escapou do tsunami por questão de minutos.
Fikri é encontrado
Mais dias se passaram, e a família de Fikri estava quase perdendo a esperança quando um assistente social bateu à sua porta.
“Ele mostrou uma foto e perguntou: ‘Senhora, este é seu neto?’ E era ele! Começamos a contar para todo mundo: ‘Eles estão com Fikri. Encontraram Fikri!’ Nos abraçamos e choramos muito.”
“Nos disseram que ele estava vivo e morando em North Morowali – não tínhamos ideia de como ele tinha ido parar lá.”
Ele estava a 500 quilômetros de distância.
Só depois que Fikri voltou para seus braços, três semanas após ter desaparecido, que a família entendeu como ele acabou parando lá.
Kadek Ayu Dwi Mariati, uma estudante universitária de 20 anos, diz ter encontrado Fikri na beira da estrada.
Ele estava machucado, ela lembra, chorando e chamando pelos pais. Vestia apenas uma camiseta.
“Para ser sincera, minha principal preocupação era salvar minha própria vida, eu estava em pânico, com muito medo.”
“Mas aí eu pensei: se eu não salvar esse garoto, quem vai? Parei e perguntei a ele onde estavam seus pais. Ele disse que eles tinham sumido e a casa dele tinha sido destruída. Então eu falei com ele para vir comigo até um lugar mais alto”, contou.
Quando os pais dela chegaram a Palu, alguns dias depois, Fikri não queria sair do lado dela.
“Ele não queria ficar, queria ficar comigo. Então, foi para casa conosco, para a nossa aldeia”, diz ela.
“Eu avisei à polícia e aos assistentes sociais que se alguém estivesse procurando por essa criança, ela estava comigo. Eles me disseram: ‘Não o entregue a ninguém’ porque havia temores de tráfico de crianças na época.”
Como se passaram semanas sem notícias, a família construiu um vínculo afetivo com Fikri.
“Ele era um garoto muito bom. Não deu nenhum problema. Eu realmente sinto falta dele agora. E fiquei um pouco triste ao vê-lo partir, mas ao mesmo tempo eu sou muito grata de a família dele estar viva e ele poder ir para casa “, diz ela.
O milagre
O reencontro também foi gravado em vídeo. A família foi orientada por assistentes sociais a esperar em uma tenda – em meio ao silêncio, eles olhavam para as próprias mãos com nervosismo.
Foi então que Fikri apareceu. “Louvado seja Deus”, gritavam, enquanto abraçavam o menino carinhosamente.
Ele estava radiante, usando uma camisa limpa e calça jeans.
“Nós choramos e abraçamos muito ele”, lembra Selfi.
“Eu estava tão feliz, mas também triste. Estava feliz que Alá nos deu mais tempo com ele, mas também triste porque tinha sido outra pessoa que o salvou. Só nos restava chorar e dar graças a Alá.”
O trauma
Os pais de Fikri o levaram para morar com eles em Gorontalo. As aulas não tinham voltado ao normal em Palu e eles queriam tê-lo por perto.
“Ele não quer ficar sozinho, nem por um segundo. Ele disse para a gente: ‘Se vocês me deixarem e a terra começar a tremer de novo, para onde eu devo ir?'”, contou Susila por telefone.
“Temos de esperar por ele fora da sala de aula. Não falamos sobre o que aconteceu. Ele apenas chora quando surge o assunto. Seu irmão mais velho nunca voltou.”
A avó conversa com ele por vídeo com frequência. “Me dá um sorriso”, diz ela.
“Ah, olha você! O menino mais bonito de Gorontolo”, brinca com ele.
De volta à praia
Jumadil também está traumatizado, mas todas as tardes ele tem de voltar para a mesma praia, para ajudar a mãe a vender amendoim.
“Ele ainda tem flashbacks, se as luzes se apagam, ele corre para os meus braços perguntando: ‘Por que as luzes estão apagadas, mãe?’ Quando o terremoto começou, todas as luzes se apagaram e ficou escuro.”
Enquanto conversávamos em sua barraca, outra mãe aparece e diz que seu filho ficou desaparecido por quatro dias.
Ele também foi apanhado pelas ondas, contou. Agora, é um pesadelo levá-lo para tomar banho. Ele tem pavor de água.
Enquanto a mãe serve um cliente, o avô de Jumadil, Daeng, leva o menino para passear pelos escombros.
Ele ainda não consegue acreditar que o neto está de volta.
“É difícil para um cara comum como eu entender isso”, diz ele.
“Se você pensar sobre isso racionalmente, é incrível que ele tenha se salvado, dado o poder das ondas que destruíram tudo. Edifícios desmoronaram, então as chances dos seres humanos deveriam ser pequenas. Muitos policiais morreram. Eu realmente quero saber quem salvou nosso menino.”
“É um milagre absoluto ele ter voltado.”
Fonte: BBC